(…) Hoje, com um celular na mão, você documenta partos, tsunâmis, incêndios, transas, shows e crimes cometidos bem na sua frente. Inclusive, algum crime por ventura cometido por você.
Me pergunto: se você não documentar suas experiências e emoções, elas deixam de existir? Você deixa de existir? Não deveria, mas dá a impressão que sim.
Num surto catastrofista, imagino que em breve deletaremos da nossa memória tudo aquilo que não estiver documentado. Se eu quiser lembrar de uma viagem ou de uma festa, não conseguirei, a não ser que a tenha fotografado e filmado. (…)Você ainda consegue lembrar da vida sem a ajuda de aparelhos? (…) A vida também acontece sem provas documentais.
Entre os inúmeros flagrantes de Annie Leibovitz constam os momentos finais de seu pai e da escritora Susan Sontag, as duas pessoas que ela mais amou. (…) Annie Leibovitz é uma artista, e suas lentes são seus olhos, ela não dissocia vida e trabalho, mas admito que senti, mesmo havendo consentimento dos fotografados, uma invasão na intimidade mais secreta de cada um, que é a solidão. Louvável como registro jornalístico, mas desnecessário como despedida pessoal.
Tudo isso para dizer que certas ocasiões ainda me parecem suficientemente fortes para resistirem intactas na nossa lembrança, e apenas nela.
Texto de Martha Medeiros
Paabéns por ter coragem de constrastar temas tão diferentes, sem deixar de nos chamar a atenção aos valores, bens tão escasso em nossa sociedade.
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